Eu já havia assistido ao vídeo sobre a vida de Zac Smith e me escangalhado de chorar ao vê-lo. Recentemente postei o texto Como lidar com perdas? e no espaço para os comentários o mano Luiz Felipe compartilhou esse mesmo vídeo - que ele curiosamente tirou do blog do meu amigo Andrew (oblogdoandrew.wordpress.com). Fato é que Zac, um cristão casado e pai de três filhos, tinha câncer em estado terminal. Bem, assista ao vídeo - que tem menos de cinco minutos, você não vai se arrepender - e depois continuamos conversando:
.
Sim, Deus é Deus e Deus é bom. Mas o que mais me chamou a atenção nesse vídeo é que Zac, que veio a falecer 1 ano e 8 meses após seu diagnóstico, termina dizendo: "A Deus seja a glória". Isso foi o que arrancou-me lágrimas. Pois lembrou-me de algo muito concreto que aconteceu em minha vida. Já falo sobre isso.
Porque saber que Deus é Deus é fácil. Os demônios sabem. Saber que Deus é bom... basta ler João 3.16 para ter certeza. Agora... dar glória a Deus em meio a dores e à quase certeza da morte? Jesus... eis aí um ato de bravura, um genuíno ato cristão. Algo raro de se ver em nossos dias. Acostumados a um Deus venerado em eventos com nomes absurdos e marketeiros como "Vida Vitoriosa para Você", os cristãos perderam o hábito de em tudo dar graças. Inimigos da fé vendem essa ideia de que vitória em Cristo é uma VIDA repleta de bençãos, sorrisos, alegria sem fim... e milhares acreditam. Aí quando a inevitável dor chega, os enganados pelos pregadores do triunfalismo e da prosperidade ficam se lamuriando, como se Deus fosse obrigado a lhes conceder benesses. "Senhor, mas eu sou teu servo!", cobram os coitados que acreditaram na "Vida Vitoriosa para Você". Peitam Deus, exigindo sua "vitória". Não entenderam nada do Evangelho. Nada. Nada. Zac Smith entendeu.
Já ouvi muitos dizerem que a missão da Igreja é ganhar almas. Errado. Essa é uma de suas tarefas. A missão da Igreja sempre foi e sempre será GLORIFICAR DEUS. Na alegria, no júbilo ou no câncer. Ou no leito de um CTI.
Lembro do dia em que, há cerca de cinco anos, fui almoçar com colegas de trabalho e comi um frango à parmegiana em um restaurante cuja cozinha (a Vigilância Sanitária constatou numa blitz, mediante denúncia de minha esposa) parecia um aterro sanitário. Resultado: às 19h eu dava entrada na emergência do hospital. Diagnóstico: septicemia abdominal. Em português: infecção generalizada na cavidade abdominal. "Esse restaurante te serviu rato podre, tem que ir para o CTI AGORA", me disse a médica de plantão. Lembro de como me contorcia em dores, de como tinha vontade de vomitar e ir ao banheiro, mas meu organismo por alguma razão se recusava a expelir as imundícies que me foram servidas naquele restaurante.
Não havia leitos disponíveis no CTI do hospital, então minha heróica esposa começou a brigar com o plano de saúde para conseguir uma transferência. Enquanto isso eu ficava ali, no leito da emergência, um soro espetado no braço e a agonia de contorções me impedindo de ficar parado. De tempos em tempos tiravam meu sangue. Queria despir-me de mim. Enfim, após muita luta, minha esposa conseguiu uma vaga numa clínica particular, a Santa Bárbara, pequena e desconhecida mas que merece meus aplausos.
A ambulância só chegou de manhã, devia ser algo em torno de 6h ou 7h. Passei a madrugada com dores horríveis, cólicas e insone. Me amarraram a uma maca e me levaram para a ambulância. Era uma manhã cinza e chuvosa, quase um clichê de cinema. Em 20 minutos estávamos na porta da clínica, onde fui desembarcado, ainda atado à maca, e conduzido com a chuva caindo sobre meu rosto do carro até a porta. Minha sensação ia do abandono ao sofrimento, um misto de sentimentos difícil de explicar. Fui conduzido por corredores e elevadores até o CTI, onde entrei e me levaram ao leito onde eu ficaria pelos três dias seguintes. No trajeto eu ia passando pelos demais pacientes internados, em sua maioria idosos, um cenário deprimente de corpos entubados, seres humanos monitorados por máquinas e almas sem brilho no olhar.
Enfim me transferiram da maca para o leito, me deram remédios, os médicos me fizeram perguntas, fui furado, posto no soro, recebi medicamentos, fui atado a montes de fios e... acabou. Minha esposa foi obrigada a se despedir após eu mentir para ela, dizendo que estava tudo bem, e todos saíram. Fiquei só. O som do ambiente eram alguns "bipes" de máquinas e monitores cardíacos e uma voz que vinha de algum outro leito próximo e que pelos três dias que viriam pela frente me enlouqueceria com gemidos que soavam mais ou menos assim: "Aaaaaa-a-a-aaaaaaiiiiii... aaaaaaaiiiiiiiiiii... aaaaaaiiiiiiiiiiii...".
Naquele momento... lembro-me como se fosse hoje: finalmente, as lágrimas desabaram de meus olhos, misturando-se à água da chuva, que ainda umedecia meu rosto, meus cabelos. Ali estava eu: em dores agonizantes, ouvindo a dor de outros, com a incerteza do que iria acontecer, aos soluços, assolado por uma depressão enorme... e só.
Até então eu nunca tinha ouvido falar de Zac Smith. Mas, em meio à dor e ao sofrimento daquele instante, a mesma convicção que alcançaria aquele homem encheu meu coração. Lembro que me dei conta de que na verdade eu não estava só. Não, querido, querida, não pense que sou um supercrente ou um grande homem de Deus. Sou tão pó e cinza como qualquer um. Mas naquele instante fui inundado por uma convicção sobrenatural de que AQUELE era um dos momentos pelos quais eu ia aos cultos todo domingo, pelos quais eu levantava as mãos no louvor, ouvia as pregações. Ali me dei conta de como é fácil ser cristão quando há uma "Vida Vitoriosa para Você", sem dor, de apenas ir a showzinhos gospel, participar de retiros e comer pizza com a galera da igreja depois do culto. Mas percebi que estava vivendo um momento kairos, um daqueles instantes em nossa vida em que Deus parece que vira e fala "taí, chegou o sofrimento, o que você tem a me dizer?".
Fixei o olhar numa quina do teto, as lágrimas descendo, e comecei a glorificar Deus. E isso em meio a soluços e espasmos. Não me ache especial por ter feito isso. Pois o que fiz é nada menos do que o Senhor espera de TODOS os seus filhos: louvor na hora da dor, exaltação de Seu nome em meio à humilhação, glorificação que sai de lábios trêmulos de agonia, reconhecimento de Sua bondade e de seu amor na hora da tragédia. Deus não quer servos que digam que Ele abriu mão de Sua soberania quando a desgraça vem. Deus quer servos que glorifiquem Seu Santo nome quando a desgraça vem. E naquele momento era como se o Espírito Santo dissesse: "E agora, Mauricio, murmuração ou glorificação?". Não culpei Deus. Sabia que Deus era Deus e que Deus era bom. E optei por dar a Ele toda a glória que lhe é devida, pois Ele é digno, maravilhoso e supremo, a essência do amor: mesmo num leito de dor, choro e depressão, o Criador dos céus e da terra não deixou de ser o único merecedor de louvor, adoração e glória.
Não, a missão da Igreja não é ganhar almas. É glorificar Deus. Mas, mais do que isso, é glorificar Deus nas piores horas da vida. É para aprender isso que você vai à igreja, meu irmão, minha irmã. Para aprender que adoração não é ficar berrando em cultos cheios de raio laser e onde a tônica é "Vida Vitoriosa para Você". Isso é um falso evangelho, não se deixe enganar. A Bíblia fala sobre o perfeito louvor. Minha teoria é que o perfeito louvor é aquele que sai de nossos corações, passa por nossos lábios e alcança o Céu nas piores horas de nossa vida. Quando temos tudo para dizer "maldito seja esse Deus injusto" mas em vez disso afirmamos: "Bendito seja o nome do Senhor, justo e digno, magnífico e magnânimo, rico em bondade e infinito em misericórdia. Glorificado seja!"
Três dias depois eu deixava o CTI. Mais magro, mais pálido e com os braços cheios de furos. Ainda me alimentava de papinhas e sopas. Sobrevivi. Saí andando da clínica e me lembro de ter admirado o primeiro raio de sol ao pisar na rua como uma dádiva. E meu louvor a Deus, depois daquela manhã, nunca foi igual a antes. Pois sei que sou barro em mãos santas, puras e gloriosas. Parei de pecar? Não. Continuei cometendo erros? Todos os dias, como o ser humano que sou. Mas em meu coração falho e adâmico repousa desde então uma certeza que antes eu conhecia de ouvir falar e que a partir daquela manhã tornou-se concreta como rocha em minha vida: Deus é Deus e Deus é bom. A Deus seja a glória - independente das circunstâncias. Amém.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
(Dedico este post ao irmão Zac Smith e a todos aqueles que nos precederam na volta pra casa tendo compreendido qual é a verdadeira vitória do cristão e assim partiram sem murmurar contra Aquele que é digno de toda a honra e toda a glória).
Follow @MauricioZagari
.
Direitos Reservados
O conteúdo deste site é de divulgação livre para fins não comerciais. É mandatório quem for reproduzir um post creditar: 1) Nome do autor. 2) URL do blog (com link). 3) Nome do blog: "APENAS".
Blog APENAS by Maurício Zágari is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial 2.5 Brasil License.
0 comentários:
Postar um comentário