GUETOS
Eu não durmo direito, na madrugada fria, restou-me o "remoto" nas mãos
E sobe canal... e desce canal, rostos que não conheço tentam interagir
Para alguns desenho um sorriso.
O cheiro da fumaça do lixo queimando inebria, é negro como o viver.
O cheiro do peixe frito se mistura ao cheiro de tinta automotiva,
Cria, induz na ilusão
O burburinho dos bares baratos, o murmúrio nas casas.
Desfaz num copo o amargor da vida sem matizes
Invade-me o som ensurdecedor de alguma música vagabunda,
Que se mistura a outra na próxima esquina.
Cada gueto com suas próprias leis, sem papel, sem timbre;
Mas existem subtendidas e a todos alcança
Ainda há os meninos descalços, alguns a perseguir a pelota de meia
Nos rostos pueris brilha a esperança infantil.
À noite brinca com as silhuetas à luz do lampião,
A sombra a crescer gutural, como dança mágica e vil que graceja
E desenha no tapume sujo, tortuosos fantasmas.
Que morrem agonizantes como a esperança tola e quimérica que é...
Outro dia amanhece, matizado de amarelo e aquece a rua e a vida de sempre
Na rua o grito de pão, no bule fumega o café. O silvo do apito, a pressa, o trem
E a labuta do dia dissimula o cinza da vida, e do sonhar sem certezas.
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